Página de Walter Eudes

30/11/2009

Crônica de carnaval – uma proposta de estudo sócio-cultural em Limoeiro-PE

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Na crônica a baixo, uma reflexão sobre o carnval brasileiro como um todo e de carnavais ou da ausência de crnaval em muitos lugares do mesmo Brasil tomando como exemplo a cidade de Limoeiro – PE

uma proposta de estudo sócio-cultural em Limoeiro-PE

O carnaval brasileiro

É o carnaval, acima de qualquer questionamento a expressão cultural coletiva que mais sintetiza as características do que se chama de brasilidade, ou seja, a identidade cultural do brasileiro, reflexo de sua formação, de sua história, de suas venturas e desventuras. E é o carnaval que mais expressa no exterior do país a noção de brasilidade, ou simplesmente do ser brasileiro. Veja-se os clichês já cristalizados na cultura internacional do Brasil: samba, frevo, festa de rua tropical, com muita gente suando ao calor de sol forte, corpos bronzeados e com pouca roupa, a beleza e erotismo da cor morena, o corpo tropical belo, o riso a cima de tudo, a alegria principalmente. E se há de se reclamar ao futebol forte característica de brasilidade, assinale-se que há povos, países que fazem hoje um futebol tão bom ou vezes melhor que o brasileiro. Mas carnaval nos trópicos, ainda não há povo que o faça como no Brasil, mesmo que arremedando. Aprofundemos o entendimento do que é o carnaval, saindo dos clichês, vamos encontrar a construção musical do frevo, de difícil execução, mais ainda de criação, porém bem tocada e abundantemente bem composta por inúmeros artistas identificados com esta estética genuinamente brasileira; da dança frevo, da dança samba, outro rol de originalidade, beleza e reconhecimento de qualquer povo do mundo como sendo cultura própria e distinta de qualquer outra na face e na história da humanidade, influenciada, parida por outras culturas claro, mas sem dúvida distinta, primeira nos trópicos americanos. Mais: maracatu, caboclinho, bumba-meu-boi, afoxé, etc. cada qual com sua complexidade peculiar, extraídas da formação e história de sua gente que a faz.

E, no que talvez seja o de mais importante a destacar nesta proposta de conceito de carnaval, a mescla harmônica de culturas e gentes. Um bloco de carnaval é, considero, a expressão máxima do que se entende por ser a “benéfica brasileira” de harmonia social: gentes de várias origens étnicas, sociais, econômicas, culturais, educacionais, a se nivelarem por igual num festejo coletivo, frenético, alegre pacífico em tendência, também tropical. E para soltar o derradeiro ingrediente desta mistura incrível, cite-se a criatividade e ampla liberdade de expressão como marca significativa dos foliões, dos carnavalescos.
Aí que, esta festa já consagrada de brasilidade é estratégica para todas as forças sociais que concorrem-se no Brasil. Ora, lhes é vital a referência ao carnaval, seja pelo apelo que causa no exterior ou pela identificação coletiva que causa no interior da nação. Vamos observar inclusive qual força cultural, ideológica, econômica e política domina uma coletividade específica no Brasil levando em conta quem faz o carnaval, como é o carnaval daquele lugar específico, daquela gente específica. Claro, não em todo o Brasil, mas nos brasis que já alcançaram alto grau de brasilidade ativa, em nosso foco, Pernambuco, com tema específico a cidade de Limoeiro.

O carnaval limoeirense

Nesta dada população, neste dado espaço geográfico e político, vemos um carnaval praticamente inexistente. O grande carnaval mesmo não há. Há apenas isoladas manifestações de poucas comunidades residenciais que se organizam-se em blocos de rua pequenos ou em agremiações típicas como caboclinhos, bumba-meu-boi. Não há em fim uma “folia” de três dias consecutivos, há algumas horas p[align=center]or dia apenas destinadas ao carnaval. Importante: não há maracatu, seja rural ou nação, apesar de haver lastro cultural para isso, não há muito menos afoxé algum. Estranha o fato, uma vez haver na cidade uma classe trabalhadora rural, inclusive ligada à cana-de-açúcar, cultura agrária do maracatu rural; há uma forte herança negra de escravos aqui trazidos deixando larga descendência e legado que vemos em inúmeros hábitos locais, hoje tropicalmente brasileiros. Veja-se que este cronista, no carnaval 2009 esteve em Limoeiro e não desfrutou de orquestra de frevo durante turno noturno em nenhum dos três dias e o que havia era um palco com banda de música a executar composições comerciais do universo dos mass mídia unicamente. Forte expressão vê-se somente no caboclinho que resiste como única tradição conservada e renovada com talvez meia dúzia de agremiações competentes, porém em raras e apressadas apresentações.

Vemos interesses de repressão e ostracionismo do traço cultural dito: o da brasilidade. Numa intenção observável de manutenção de um statos quo que é mesmo cheio de valores rechaçáveis desta mesma prática de cultura quando bem executada: o carnaval brasileiro. Cultura esta que encontrou por exemplo, no bloco de frevo de rua, ou no cortejo de maracatu, uma alegria e força neste mesmo Brasil reprimida por mais de 300 anos: não só a liberdade do escravo negro, mas sua[/align] cidadania nacional reconhecida. Ainda pulsa inconsciente e coletivamente em qualquer bloco de frevo de rua hoje em dia esta expressão de alegria: “sou livre!”, “sou brasileiro!” Aí que em Limoeiro, bem como outros locais, ainda perdura uma força escravista, de forma moderna a preferir esta população específica sem uma consciência nacional e histórica, sem uma identidade coletiva que lhe unte força de povo, de massa. É uma força que domina que quer, como é dito na região, “cabrestear” o indivíduo e o povo. De fato, pessoas conscientes de seu legado cultural e histórico estão mais altivos e não se permitem serem facilmente dominados por castas ou elites, como faz as elites locais de Limoeiro e seus adeptos agregados espalhados por todo tecido social.
Se não, veja uma das poucas manifestações aprovadas e estimuladas pela cultura dominante, veja a força de ruralismo arcaico, de manditismo do poder herdado dos senhores de engenho a serem como deuses em seus feudos: veja o costume das Kalus – fantasia de brincante travestido de montador, metade gente, metade burro – de chicote na mão sendo-lhe sua principal tônica com força bruta chicotear o chão a produzir forte estampido a exigir temor e subserviência, não poucas vezes é este estampido de chicote junto a pés de outros brincantes, também alguma vezes na própria carne de outros a deixar marca por anos provocando de imediato dor intensa, uma chicotada. É herança clara dos poderios rurais para com seus escravos e subordinados: pura dominação, puro exercício de poder na força bruta. E o Mateu? Outra expressão que bastante difundida e numerosa que sinaliza também o pensamento hegemônico social dominante: raro não se apresentar em típica brutalidade, com varas pontiagudas e ameaçadora a quem quer que seja! Batendo a vara contra o chão violentamente, estampindo bexigas de boi amarradas na ponta das lanças, impõem um terror e/ou temor que as vezes é desafiado por alguns foliões mais afoitos e provocadores que é logo perseguido pelo mateu em larga careira. Não raro, não raro mesmo o mateu acertar a lança com veemência nestes foliões provocadores causando-lhes ferimentos dolorosos e necessários de intervenção médica. Em Limoeiro, assim como outro lugares que mantém estas tradições de carnaval antigo, rural, arcaico e bruto, não há ano em que não haja brigas seríssimas em plena via pública entre mateu e folião provocador, mesmo entre mateu e mateu, findando algumas destas brigas em escoriações graves de confronto corpo-a-corpo e as vezes surgem juras de morte, havendo relatos de concretização de tais juras. Assinale-se nestas duas populares formas de brincantes pernambucanas/limoeirenses a máscara pintada ou industrializada ou mesmo artesanal que conduz o espectador sempre ao temor, nunca à beleza ou à criatividade bela e genial. Nesta configuração foliã de âmbito ruralístico arcaico, feudal, ainda vemos dezenas e dezenas de foliões caracterizados de catirinas, mateus, kalus, ursos e tantos outros manifestações a esmolar. É raríssimo, raríssimo mesmo o brincante que não esmola. Chega a ser irritante o assédio destes brincantes em geral crianças e adolescentes mas também adultos novos e maduros. De modo que estando a pedir um trocado denunciam uma dupla realidade: a de serem de fato paupérrimos economicamente e de pulsarem nas suas inconsciências, se não em almas, seus ancestrais ex-escravos que inundaram cidades de todo o Brasil após Lei Áurea a compor uma enorme massa de desempregados, famintos, pedintes que persiste até hoje…

Pois que é transferido do passado brasileiro à pós-modernidade do país, do mundo estritamente rural ao urbano, ou no melhor dizer de Freyre, mundo “rurbano”, transferido o totalitarismo, a concentração de poder e de renda, um neo-escravismo. Uma ideologia que acontece no carnaval e perdura por todo o ano. Ora se é o carnaval o palco de fato do resultado de todo um jogo social, como a uma catarse de um ano de batalhas, bem como um prenúncio do ano vindouro, é nesta manifestação de massa, a mais ampla brasileira, que projeta-se qual relacionamento deve-se ter no ano que se segue e qual teve-se no ano anterior. Em Limoeiro, também em outros centros populacionais é uma perpetuação de um modelo social, que favorece a uma casta, a uma reduzida elite e seus agregados, um modelo pautado no manditismo, na dominação do povo, num neo-escravismo.
Daí que no carnaval limoeirense os brincantes de agremiações são mais bem quistos pelo grau da força bruta que demonstram, da força física que apresentam, do cansaço que externam, quase nunca, ou mesmo nunca pela a alegria de sua faces, criatividade de suas fantasias, de suas máscaras, de seus passos. Não lhes é costume o riso largo de satisfação, de expressão clara do já dito: sou brasileiro/a, sou civilizado/a, civilização esta, diga-se de intenso ludicismo, de intensa alegria, de intensa criatividade. É-lhe costume o rosto sisudo, de esforço, de raiva, de dor.
Persiste aqui e ali, em Limoeiro ao certo, este modelo carnavalesco cruel, de pura dominação do povo, das massas, a reprimir talvez o que seja seu maior reclame de dignidade, a altivez que lhe confere igualdade em qualquer instancia dentro deste país, independente de qual classe econômica pertença, de qual etnia descenda em primazia, de qual grau instrucional, de qual credo, de qual ideologia. E, infelizmente, não há estímulos de novas referências para com o carnaval, para que a grande massa possa superar este modelo arcaico. Ela mesma, a massa populacional, não concebe outra forma da qual pratica há décadas.

É notório a quem interessa este modelo de carnaval, e vai continuar esta classe dominante insistindo nesta prática, nesta gestão carnavalesca, junto a seus agregados espalhados por todo tecido social a fim de manter seus privilégios, benefícios e mútua-irresponsabilidade com o legado histórico e cultural brasileiro, pernambucano…
Uma chance clara de conferir dignidade, alegria e altivez a este povo neo-escravizado de limoeiro e outros lugares é despertar-lhe a força cultural que eles tem, estampando-lhes um riso raro de alegria, força e paz, coisa já feita em diversos lugares de Pernambuco e Brasil, inclusive em alguns de nossos interiores.

Por: Walter Eudes – Bacharel Comunicador Social Radialista pernambucano em 26 de fevereiro de 2009

1 Comentário »

  1. eu achei que o texto sobre o carnaval também relatou um pouco sobre a cultura pernambucana mas eu acho que foi baseado pelos típicos carnavais. Eu ache ótimo, que esta cronica fala do dia a dia da semana de carnaval; e muito interesante. obg.

    Comentário por jennifer — 02/03/2011 @ 02:25 | Responder


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